quinta-feira, 2 de maio de 2013

NA CAMINHADA JAZ


Hoje sai de casa
Na curta caminhada encontrei:
uma pomba machucada
uma seringa descartável e espremida entre os retalhos de calçada
três gatos, de rua ou não,
um com uma orelha defeituosa,
muito barulho e pouca paciência

Depois me escondi do mundo

Quando regressei o barulho aumentara
os gatos tinham sumido
os trabalhadores corriam
a paciência se esgotara

E a pomba estava morta
Eu senti quando a avistei de longe
Seus machucados estavam ali mais visíveis ainda
(não eram pisaduras de bicadas adversárias
Não eram mordidas de cachorros ou gatos famintos
Suas penas haviam sido arrancadas uma a uma
com uma paciência pervertida)

Seu pescoço estava levemente torcido

Alguém se compadeceu?
Alguém a assassinou?

Não sei.
Só sei que ao menos
ela merecia um enterro digno
e não o ladrilho frio da calçada.

domingo, 28 de abril de 2013

A GALÉ DO AFORTUNADO


A miséria...
A miséria acompanha os passos trôpegos dos inquilinos desta história.
As cancelas foram abertas por um expert crente que sua sanidade é maior que a dos demais seres.
A miséria desandou por entre as colinas e soterrou a prudência de quem julga aqueles que digladiam por fatos derradeira e fatidicamente cotidianos.
“Vigia! Quem és tu que dizes que velas pelos desvalidos, mas não vês as lamúrias de quem anda por esta estrada deserta?”
De uma viela surgem olhares lacrimejantes, enquanto os corpos prisioneiros são arrastados ao desabrigo da tempestuosa distância de quem acredita que sua verdade é suprema.
Os miseráveis e os dementes nunca serão ouvidos, mesmo quando não mentem.
“Vigia! Quem és para julgar outra mente quando tu a tem tão imprudentemente desprovida da experiência de além das trincheiras que te protegem das ruas?”
Verdugos cambaleiam no convés da galé, empunhando seus chicotes e amarras.   Quem são os que a miséria açoitará?
“Vigia! Tu és o afortunado, mas tua práxis te torna um dos celerados. Que decisão tua realmente poderá salvar o desgraçado?”
Remam, mutilados, os decadentes entes que proliferam nas vias e parques da cidade gris. Destituídos covardemente de afeto e segurança, buscam o consolo inexistente nos afagos da chuva ácida e triste que desaba de abrigos de papelão capengas e estapafúrdios. 
E gritam confusos e embrutecidos: “Vocês não nos protegerão!”
“Vigia! Tu já não devias dormir! Tua culpa sangrará das chagas nos teus pulsos, que nem o tempo, nem a morte poderão curar!”